ENSAIO SOBRE O NORMAL
- Como é que é?
- É normal, tás a ver...
- Não, não estou. Normal como?
- Que pergunta é essa? Normal como normal, senão não seria normal.
- Isso agora já depende...
- Depende do quê? A tua conversa não é normal. Tás bem?
- Eu estou mas tu acho que não...
- Olha-me este agora! Não tás a jogar com o baralho todo, pois não?
“Anormal” significa um desvio à norma. Logo, segundo a
definição, pessoas muito altas, muito baixas ou muito talentosas não seriam consideradas normais. Por esta ordem de ideias, Einstein, Mozart e Shakespeare teriam de ser vistos como anormais.
Este exemplo ilustra bem que a questão da "normalidade / anormalidade" não faz grande sentido, sendo que a História e a cultura moldam e fazem evoluir o que é considerado "ajustado". Até há relativamente pouco tempo (anos 50/60), a homossexualidade era considerada uma doença mental, tal como no século XIX a masturbação era vista como um comportamento desviante e pouco saudável. Hoje discute-se a "normalidade" pandémica através de matrizes de risco (algo que será, inevitavelmente, questionado no futuro).
A ciência evidentemente evolui, e com ela o conhecimento,
mas apesar disso a ideia de “normativo” está sempre presente (ideia de que
existe um ideal, um estado desejável de como as coisas devem ser). Esta visão de um “mundo perfeito”, é desenvolvida tendencialmente
por pensadores religiosos e por políticos, sendo posteriormente difundida de todas as maneiras possíveis e imaginárias (criando a ilusão de que "assim é que está bem").
Normalidade seria, então, algo a roçar a perfeição. “O que deve ser” em vez de “o que
é razoável ou possível ser”.
A este respeito, escreveu Miguel Esteves Cardoso na sua crónica Aventura da Normalização:
"Sinto-me como se estivesse no Luxemburgo quando atiro as atraentes embalagens plastificadas de maçãs Golden - made in Germany - para o meu carrinho de supermercado (agora só falta convencer-me de que a sensação de estar no Luxemburgo é uma coisa boa, mas isso é outro problema). Gosto do facto de serem todas iguais porque assim evitam-se discussões em casa acerca de quem é que fica com a maior".
"É verdade que, em contrapartida, estas maçãs não sabem a nada, mas esse, afinal, é um custo irrisório comparado com as vantagens de higiene, uniformidade e normalização que elas oferecem ao consumidor".
"Esse tempo em que havia fruta grande e fruta pequena acabou. Agora é toda média. É mais justo. Também terminaram as diferenças entre a fruta boa e a fruta má. Lembram-se? No mesmo quilo podia haver uma pera ótima e outra horrível. Nunca se sabia aquilo com que se contava. Ai! Era tão enervante. Agora aboliram-se esses grandes desníveis. A fruta normalizada e moderna deixou de ser boa ou má para passar a ser toda indiferente. Assim-assim. Normal. Igual, enfim".
Conclusões? O normal passa por ser um ponto de vista. Cada um tem o seu. E, claro está, a perfeição não existe.
“Os anos foram dando a este termo – anormal – demasiados julgamentos de valor” - Reber
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