Avançar para o conteúdo principal
SABER NÃO OCUPA LUGAR


“Freud explica King” é o título de um dos meus livros, cujo conteúdo aborda o exercício da liderança fazendo uso da inteligência emocional e social, sendo explorados caminhos que têm na emoção um ponto de partida e na razão uma antecâmara da ação.

Nele construí uma conversa terapêutica imaginária entre Martin Luther King e Sigmund Freud (fazendo uso de palavras dos próprios), que agora partilho, a propósito das convulsões sociais que se verificam atualmente.

MLK: Eu tenho um sonho… de que todos os homens tenham garantidos os inalienáveis direitos à vida, liberdade e busca da felicidade.

SF: Os sonhos podem ser resposta a acontecimentos do mundo exterior ou ter uma origem interna, expressando aspetos de preocupações e sentimentos enraizados, podendo ser um meio de realizar desejos ou realçar emoções não resolvidas.

MLK: Mas existe algo que preciso dizer à minha gente, que se encontra no cálido limiar que leva ao templo da justiça. No processo de consecução do nosso legítimo lugar, precisamos não ser culpados de atos errados. Não procuremos satisfazer a nossa sede de liberdade, bebendo na taça da amargura e do ódio. Precisamos conduzir a nossa luta, para sempre, no alto plano da dignidade e da disciplina. Precisamos não permitir que o nosso protesto criativo gere violência.

SF: O consciente é regido pelo ego que pode atuar racionalmente no mundo exterior, enquanto que o pré-consciente contém factos, memórias, ideias, motivos, a que o consciente pode ter acesso. O inconsciente pessoal guarda memórias esquecidas, traumas, emoções recalcadas, motivos e ansiedades, sendo instintivo e controlado pelo ego. O inconsciente coletivo é geneticamente herdado pela mente, sendo um reservatório de ideias, símbolos, mitos, lendas, religiões.

MLK: Digo-lhes hoje, meus amigos, embora nos defrontemos com as dificuldades de hoje e de amanhã, que eu ainda tenho um sonho.

SF: O pensamento é o ensaio da ação.

Esta conversa, pouco provável pois King tinha apenas 10 anos quando Freud faleceu, a ter acontecido teria sucedido há muitas décadas atrás, num contexto marcado por cenários generalizados de violência e conflito.

Apesar do muito que já decorreu de lá para cá, a atualidade vive tristemente marcada pela brutalidade das forças de autoridade (um pouco por todo o mundo, dos países ditos mais democráticos aos menos democráticos), sendo assassinados cidadãos que suplicam pela vida, resultado de atos bárbaros indiferentes, inclusive, a filmagens que registam e expõem estas manifestações obsessivas e descontroladas de poder.

Muito longe nos poderiam levar as últimas palavras das vítimas mortais, algumas tão desesperadas como “por favor, não consigo respirar”. Um “respirar” que não pode ser visto apenas como um instinto de sobrevivência mas que também deve ser olhado como um grito de necessidade de mudança, perante um percurso histórico muito marcado por múltiplos registos de opressão colonial e de descriminação racial que deixaram variados resquícios.

A História tem que, de uma vez por todas, permitir uma análise mais consciente e de maior respeito por alguns acontecimentos que foram abusivamente castradores de identidades e culturas originais. Cristóvão Colombo descobriu a América? Não, a América já era povoada antes dele lá ter chegado (e nem sequer foi o primeiro europeu a chegar, pois cinco séculos antes de Colombo chegou ao Novo Mundo o explorador viking Leif Eriksson). A Europa espalhou a cultura pelo resto do mundo? Não, a Europa impôs a sua cultura ao resto do mundo, porque os povos nativos já tinham os seus usos e costumes ancestrais (podendo ser tão questionáveis as práticas de uns como as dos outros).  

Então devem ser “apagados” certos símbolos e movimentos históricos? Não, pelo contrário. Devem sim ser corretamente legendados e enquadrados numa era específica, com base em factos legítimos e não tendenciosos, para que as gerações atuais e futuras percebam as ações praticadas no passado e o seu resultado. Remover as estátuas de Colombo espalhadas por inúmeros países não vai resolver nenhum tipo de convulsão social (podendo inclusive contribuir para o aumento da ignorância), mas uma legenda justa e isenta seguramente traria alguma pacificação.

Sem História não existe conhecimento, e sem conhecimento não existe razão, ficando as opiniões apenas balizadas pelas emoções do momento que, como referiu Paul Ekman, “são desgovernadas como comboios”.

Por exemplo, qual seria a virtude de destruir Auschwitz? Nenhuma, pelo contrário, todos os seres humanos deveriam visitar o local pelo menos uma vez na vida, percebendo todo o seu significado e prestando uma homenagem às vítimas. Esta é a forma de evitar que os factos sejam adulterados, após o desaparecimento da memória viva de quem por tudo passou, transformando situações reais em meros mitos ou lendas e permitindo que as opiniões possam ser completamente avulsas e desprovidas de matéria fundamentada. Isto sim, pode ser um exercício muito perigoso, por ser capaz de fazer ressurgir capítulos e horrores que devem ficar residentes, de forma definitiva, no passado.




Comentários

Mensagens populares deste blogue

COACHING   Para obter as respostas adequadas há que fazer as perguntas certas, despoletando reflexões que permitam gerir positivamente cenários de mudança e criar novos objetivos.   Como? Analisando necessidades, conflitos, motivações e gerando tomadas de decisão com uma maior consciência das escolhas.   No final deste processo, emergem novas perceções e novas ferramentas que permitem evoluir e valorizar quem realmente somos, tornando-nos capazes de enfrentar qualquer tipo de desafio, seja ele pessoal ou profissional. "As boas resoluções não ganham nada em ser adiadas" - Jules Romains Para informações adicionais: nuno.mt.ribeiro@gmail.com  
PARA MELHOR DECIDIR... "A chave de todas as ciências é, inegavelmente, o ponto de interrogação" - Balzac Formação e Coaching em LIDERANÇA E GESTÃO DA DECISÃO Para informações adicionais: nuno.mt.ribeiro@gmail.com
A ÚNICA CONSTANTE É A MUDANÇA  "Nem tudo o que enfrentamos pode ser mudado. Mas nada pode ser mudado enquanto não for enfrentado"  - James Baldwin Formação e Coaching em LIDERANÇA E GESTÃO DA MUDANÇA Para informações adicionais: nuno.mt.ribeiro@gmail.com