EÇA AGORA
“Incontestavelmente foi a imprensa, com a sua maneira superficial e leviana
de tudo julgar e decidir, que mais concorreu para dar ao nosso tempo o funesto
e já irradicável hábito dos juízos ligeiros. Em todos os séculos se improvisaram
estouvadamente opiniões: em nenhum, porém, como no nosso, essa improvisação
impudente se tornou a operação corrente e natural do entendimento. Com excepção
de alguns filósofos mais metódicos, ou de alguns devotos mais escrupulosos,
todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente do
penoso trabalho de reflectir. É com impressões que formamos as nossas
conclusões. Para louvar ou condenar em política o facto mais complexo, e onde
entrem factores múltiplos que mais necessitem de análise, nós largamente nos
contentamos com um boato escutado a uma esquina. Para apreciar em literatura o
livro mais profundo, apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através
do fumo ondeante do charuto. O método do velho Cuvier, de julgar o mastodonte
pelo osso, é o que adoptamos, com magnífica inconsciência, para decidir sobre
os homens e sobre as obras. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é
fulminante. Com que esplêndida facilidade exclamamos, ou se trate de um
estadista, ou se trate de um artista: «É uma besta! É um maroto!». Para
exclamar: «É um génio!» ou «É um santo!», oferecemos naturalmente mais
resistência. Mas ainda assim, quando uma boa digestão e um fígado livre nos
inclinam à benevolência risonha, também concedemos prontamente, e só com lançar
um olhar distraído sobre o eleito, a coroa de louros ou a auréola de luz” - Eça
de Queiroz
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